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Histórias fílmicas que valham a pena. Fotos insignificantemente indispensáveis.

quinta-feira, abril 29, 2004

Pra deixar as coisas bem claras de início: eu não sou um fã do Tarantino.
Sei que vão me matar, porque semrpe que eu digo isso pros meus amigos ouço coisas do tipo “como assim, você é a cara dele, cheio das mesmas popices e referências absurdas”; dizem isso quando os mais ardorosos não me xingam como, por exemplo, quando eu digo que acho Jackie Brown uma porcaria, que o filme só vale pela Bridget Fonda.
E o pior é que eu tenho uma historinha boa com o Quentin.
Em 1992 eu cobri o Festival de Cannes pra revista Set e um dia chegando na redação antes de viajar, meu editor disse que uma distribuidora tinha ligado oferecido uma entrevista com o Harvey Keitel, que estaria lançando seu filme mais recente, Reservoir Dogs no Festival. Eu fiquei excitado, primeiro porque eu não teria que mendigar pela entrevista, o que aconteceu direto, por ser eu um jornalista de primeira viagem no Festival e porque eu escrevia numa publicação mensal, outro ponto não tão bom porque eles priorizam os diários. Bom, animados, ligamos confirmando a entrevista e descobrimos que havia um porém: eu teria que entrevistar também o diretor do filme dele, um tal de Quentin Tarantino.
Pois não?
Quentin o quê?
Título de filme estranho, nome do diretor estranho!
Acabou meio que virando piada a entrevista com o tal e pra piorar a situação, quando mandaram o release do tal filme, veio só uma foto do diretor e o cara tava péssimo nela, cara de nerd total.
Mas, beleza. Tudo pelo Harvey!
reservoir Dogs estava na Seleção Oficial da Mostra mas passando for a de competição, numa das sessões da meia noite.
Como ia entrevistar os dois no outro dia pela manhã, fui ver o filme, apesar de evitar as sessões da meia noite porque a o primeiro filme do dia sempre era as 8 horas da manhã.
Qual não foi a minha surpresa quando no meio do filme descubro a pérola de Cannes 92: o filme mais violento, sem concessão, desbocado, sanguinário e ao mesmo tempo engraçado que eu tinha visto até então no balneário francês.
Foi amor à primeira vista.
Saí da sala embasbacado. Não me lembro de ter outro jornalista brasileiro vendo o filme, porque não me lembro de ter falado com ninguém até o outro dia de manhã.
Fui pro hotel, dormi e acordei excitado no outro dia nem pelo filme da manhã, mas pelas entrevistas com mr. Harvey Keitel e com o meu novo ídolo, o tal do Quentin.
Cheguei na minha mail box, que é onde receíamos notícias, releases, confirmações de entrevistas e tal e havia um bilhete do publicista do filme cancelando as entrevistas individuais e dizendo que eles só participariam da coletiva.
Decepção total.
Mas fui pra coletiva ainda na esperança de encontrá-los e tentar alguma coisa interessante: chego na sala da tal da coletiva e encontro diretor, atores e produtores com cara virados, sem muitas “condições” de participar de uma coletiva, quanto mais de entrevistas individuais.
Fiquei ainda mais bem impressionado.
Roquenroll!
Atitude. Era disso que o festival, que o cinema, precisava.
Meses depois, o filme estreou em São Paulo: reservoir Dogs virou Cães de Aluguel e o tal do Quentin veio à São Paulo para uma promoçãozinha, agora já um diretor mais bacana pelo sucesso alternativo que o filme vinha fazendo pelo mundo.
E dessa vez consegui bater um papo com ele.
E contei pra ele da minha decepção em Cannes e da minha alegria com a atitude final dos caras e ele me confirmou a noite em claro e a “obrigação” da coletiva e da falta de condições de qualquer outro tipo de evento (leia-se entrevistas).
Daí pra frente é a história que todo mundo conhece.
Depois de 2 anos ele lança Pulp Fiction, vence Cannes e vira “O” diretor, a promessa.
Inicia assim um legado com marcas registradas que todo mundo espera os seus próximos filmes para conferir, como relançar atores fadados ao ostracismo, John Travolta, no caso de Pulp Fiction ou escolher a dedo músicas de seus filmes e lançar cd’s que viram mania e ainda, também nesse caso, desenterrar artistas esquecidos.
Eu até hoje não me conformo como Pulp Fiction ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes (mas também não me conformo como Pelle, O Conquistador também ganhou a Palma de Ouro).
Talvez seja por ser um filme que tenha re-descoberto um ator como Travolta.
Ou talvez seja por uma trilha sonora “cool as fuck”.
Ou talvez pela montagem fragmentada que criou um antes-e-depois no cinema.
Ou talvez seja pelo elenco absurdo que tem desde a portuguesa Maria de Medeiros (que diz a lenda ele conheceu aqui em São Paulo) até
Bruce Willis canastrão como nunca.
Ou talvez seja pelo apuro técnico.
Ou talvez seja pelos diálogos absolutamente desconcertantes.
Acho que já é motivo suficiente pra ganhar qualquer festival.
Mas mesmo assim não me convence como um filme de turning point, de referência absoluta e indiscutível. E nem tô aqui pra criar polêmica a esse respetio, acho que tudo já foi dito a respeito desse filme.
Quero chegar em Kill Bill Vol.1.
Quero dizer que apesar de Pulp, do mediano Jackie Brown, Kill Bill me conquistou já nos primeiros 3 minutos da sessão.
A primeira imagem em preto e branco da Uma Thurman toda ensanguentada já vale o preço do ingresso.



O genial do filme é que ele já começa na porrada. Não é um filme que vai te preparando , levando em banho maria até te bater na cara. Não. É sangueria, porradaria pesada do começo ao fim. Até que você acha que não vai aguentar mais.
E aguenta.
E tem mais.
O filme conta a história da noiva, Uma, linda e loira, que depois de traída, deixada à beira da morte pelo seu amante Bill no dia de seu casamento, grávida nos últimos dias, sai de um coma de 4 anos e busca vingança.
A noiva não só era amante de Bill, mas fazia parte de sua trupe de matadores profissionais, trupe essa que acaba com suas núpcias antes mesmo de acontecerem e que volta à sua memória no momento em que ela sai do coma no hospital logo quando um enfermeiro traz um bruta montes para estuprá-la mais uma vez. Ao acordar, ela não só lembra desses constantes estupros (e já começa sua vingança ali mesmo) como se lembra do rosto dos seus antigos companheiros de matanças como os responsáveis pela sua condição atual.
Nesses primeiros 10/15 minutos de filme já percebemos a genialidade Tarantinesca na escolha do elenco com uma surpreendente e mais linda que nunca Daryl Hannah (a renascida das trevas da vez), Michael Madsen, o bad boy por excelência fazendo um bad boy, Vivica A. Fox linda e perigosa e a melhor, mais linda, mais impressionante atriz de língua inglesa na atualidade de filmes absolutamente dispensáveis, Lucy Liu.
Daí pra frente, são sequências memoráveis, como a briga entre Uma e Vivica na casa desta, onde elas são surpreendidas pela filha da ex-assassina, agora dona de casa exemplar, que ao chegar em casa pergunta o que aconteceu vendo a mãe e sua amiga loira descabeladas e ensanguentadas em meio à sala destruída e ouve uma mãe esbaforida dizendo que foi o cachorro que fez aquilo com a sala, aquele cachorro desobediente!
Outra sequência de arrepiar é o trecho fetichista por excelência do filme com um close dos dedões dos pés amortecidos de Uma dentro do seu novo carro, enquanto ela tenta se concentrar ao máximo e fazer seus pés voltarem à vida, saindo do torpor de 4 anos sem utilidade: a mulher é linda, sem dúvida nenhuma mas seus dedões dos pés são tristes, tortos, grandes o que com o uso de uma sutil grande angular distorceu mais ainda tirando todo o pouco de apelo erótico que restva e jogando todo o apelo para o lado do fetiche mais animal.
A noiva (seu nome ainda não é dito no filme, sendo coberto por um apito, como se fosse proibido), tem uma lista de quem matar que ela vai “ticando” depois de cara caso resolvido.
E o último nome dessa lista é Bill, apesar dela não seguir a ordem dos nomes necessariamente.
Seu próximo passo é uma viagem ao Japão, onde vai primeiro atrás de uma espada especial, feita por um homem especial numa sequência espetacular de engraçada num balcão de restaurante. Logo depois ela vai atrás da rainha do crime do Japão, O-Ren Ishii, a personagem de Lucy Liu. Só que antes de encontrá-la, ficamos conhecendo sua história, de como quando criança presenciou (escondida) o assassinato de seus pais e jurou vingança, um quase Batman. Só que do mal. O ponto absurdo é que essa parte do filme é mostrada em desenho animado japonês, um anime lindo e mortal, com uma riqueza de detalhes impressionante.
A menina desamparada que mata o assassino de seus pais, vira a mais temida e odiada chefe do crime japonês, temida por seus atos sem misericórdia e odiada por sua ascendência sino-americana.
Quando a noiva chega ao encontro da “rainha” em sua colméia, o filme vira um banho de sangue na tela como há muito não se via.
Corpos decepados, cabeças voando, sangue espirrando, muita luta de espada, muitas armas mortais e um apuro técnico na filmagem que deve ter consumido a grnade parte do orçamento do filme.
Um dos grandes personagens desse filme é Gogo, a japonesinha com roupa de colegial que é a mais perigosa dos bandidos do filme. Aliás, esse é um filme sem mocinhos, só bandidos. Ela é a protagonista de um das cenas antológicas do filme, numa conversa de bar com um cara que troca de papel com ela de quem “mete” o quê em quem.
Mas mesmo Gogo, a protegida da rainha, a mais bacana do filme não sobrevive ao horror da noiva, apesar de todo seu poder de ódio.



Quando achava que a porradaria estava terminando, era quando na verdade começava a verdadeira baixaria de sangue e vísceras e pedaços de corpos perdidos e imagens lindas e fundos azuis e contra-luz.
Tudo isso para terminar num jardim japonês, a noite, com um chão coberto de neve caindo e uma Lucy Liu num quimono imaculadamente branco indo pra sua batalha final contra a tão temida Noiva.



Mas chega de falar do filme e viva Tarantino!
E viva Kill Bill!
O único problema vai ser esperar até outubro pra ver se o filho que a noiva carregava em seu ventre na chacina do casamento sobreviveu ou não.
E esperar até outubro pra ver se Bill, David Carradine, o gafanhoto da série Kung Fu vai lutar como lutava na tv.
E esperar pra ver se as máscaras de besouro verde usadas pela gang da rainha japonesa vão ser usadas por mais alguém.
E esperar pra ver se além do tênis tiger amarelo e do branco que a noiva usa, se Tarantino vai reavivar alguma outra paixão da nossa adolescência.
Be happy:

sábado, abril 24, 2004

Elefante é o melhor filme dos últimos anos.



E provavelmente o melhor de alguns anos que virão.
Tive quase essa sensação ao assistir Dogville , o petardo de Lars von Trier com o furacão Nicolle Kidman detonando todos os dogmas e padrões dos americanismos, para todos nós tão familiares.
Eu estava absolutamente desacreditado em relação a Gus Van Sant desde há muito. Seus últimos filmes todos tinham sido absolutamente decepcionantes pra mim, inclusive o pseudo-maravilhoso, erroneamente incensado Gerry, a tentativa estapafúrdia de fazer cinema iraniano com idéia pífia e atores bonitinhos-mas-ordinários.
Meu espanto começou quando Elefante ganhou a palma de ouro em Cannes o ano passado e o prêmio de direção.
Fiquei ansioso pra assistí-lo e feliz ao saber que a Mostra de Cinema iria exibí-lo.
Fui à primeira sessão do filme e saí de lá sem forças pra ver mais nenhum, o que durante a Mostra é impensável pra mim, já que assisto pelo menos uns 3 por dia.
Muito coisa me espantou no filme.
E espantar é um verbo absolutamente apropriado pra sensação que me causou o filme.
Elefante, definitivamente, não é um filme fácil e imagino que uma preocupação desde o início do projeto teria sido o fato de se fazer um filme onde todo mundo já saberia o final da história: uma recriação da chacina ocorrida no colégio em Columbine onde dois estudantes mataram várias pessoas entre colegas e funcionários dentro da escola.
O tema tinha sido discutido exaustivamente pelo polêmico Michal Moore no seu Tiros em Columbine, o filme que aponta o dedo para as feridas e pecados americanos em relação ao comércio legal e ilegal de armas de fogo de uma forma não muito ortodoxa filosoficamente falando.
Voltando a Elefante, as sutilezas do filme (o oposto de Tiros) é o que mais impressiona.
Uma coisa que me deixou estupefato é a delicadeza como Van Sant apresenta todos os personagens do filme, sem nenhum julgamento de valor, sem nenhum preconceito ou qualquer coisa parecida. Os dois meninos assassinos são mostrados com o mesmo peso e a mesma importância que a menina nerd e excluída ou que o estudante de fotografia bacana.
Os planos são longos, as cenas não são cortadas e são repetidas do vários pontos de vistas diferentes. A câmera “segue” essas pessoas pela escola e elas se cruzam e as cenas se repetem de outras formas, na verdade não se repetindo e mostrando quase novas versões da mesma história.
Um não-Rashomon.
E o diretor nos brinda com alguns momentos de delicadeza no meio da barbárie anunciada.
Um slow quando o garoto loiro brinca com o cachorro segundos antes da dupla assassina entrar na escola, passando por ele e avisando que algo ruim vai acontecer. É a calmaria antes da tempestade, o prenúncio poético do terror.
Outra cena tocante é a hora que o menino que vai matar todo mundo toca Sonata Ao Luar de Beethoven ao piano, no porão da sua casa, onde vive em meio à publicações sobre armas, desenhos estranhos, um computador onde joga games violentos e uma tv onde assite um documetário sobre Hitler.
O filme é lindo.



Até que se inicia a chacina, quando vira quase um gore.
Só que nesse caso, o gore nos dá enjôo de verdade, porque acreditamos no que está acontecendo.
Aliás, essa, na minha opinião, é a grande qualidade do filme: nos fazer acreditar no que estamos vendo na tela.



Apesar de já sabermos o que íamos ver, de já sabermos o que estava por vir.
Diferente de um filme como A Paixão de Cristo, por exemplo, onde já conhecia o roteiro inteiro do filme, já sabia que ele ia morrer na cruz no final, mas não me comoveu nem um pouco. O Cristo super herói de Mel Gibson , que sobrevive às chibatadas horrendas e absurdamente mostradas no filme, que carrega a cruz, que é prepotente, mal educado ao extremo, num filme de absurda propaganda católica, fez com que no fim eu quisesse sair logo do cinema de cansado que estava de assistir àquele exercício estilístico besta. Fiquei com a impressão de que o ex-Coração Valente quer se tornar um diretor de filmes publicitários.
Enquanto isso, Van Sant prova que um bom filme independe da polêmica besta (Paixão, Tiros), independe das enormes quantias gastas na produção (lista infinda de títulos) mas depende da mão sutil, depende da forma bem acabada de como fazer e do que mostrar.
O Gus é meu herói.
Be happy:

terça-feira, abril 13, 2004

Polanski não é Deus.
Sempre tive dúvidas a esse respeito, principalmente depois de assistir “Piratas ” na minha casa, num vhs pirata duma locadora que eu era sócio antes do filme ser lançado aqui, uns bons anos atrás. Não acreditei que o homem que fez “O Bebê De Rosemary ”, um dos meus 10 filmes preferidos de todos os tempos pudesse fazer um filme tão porcaria quanto aquele.
Bom, minhas dúvidas terminaram quando eu fui a uma sessão de “Faca Na Água ”, encerrando um festival com os filmes do diretor oscarizado aqui em São Paulo e, melhor ainda, com a presença do próprio.
Como bom tiete que sou, levei minha indefectível camera digital e lá fui eu, na vã esperança de trocar umas poucas palavras com ele e, se tudo desse certo, de tirar uma foto ao seu lado.
(Esse meu lado tiete vem de longe, já teve dias piores, quando num momento de total delírio eu passei algumas horas na frente de um hotel em Copacabana esperando que alguém do Duran Duran aparecesse na rua, na porta ou em qualquer lugar visível que pudesse me proporcionar uma foto, um autógrafo ou qualquer coisa parecida. Tive quem me contentar com o vocalista do Simply Red andando pelas ruas de Ipanema. Mas esses dias passaram e hoje sou uma pessoa “normal”).
Cheguei ao cinema em cime da hora.
Sessão lotada.
Tive que me sentar no chão porque a maioria dos assentos estavam reservados a alguém com um nome impronunciável que deveria ser polonês, obviamente.
Faz-se o silêncio, alguém se dirige a frente da platéia e começa a agradecer o consulado polonês, a embaixada, e um monte mais de gente/escritório/corporação, até que alguém resolve chamar Roman à frente para falar.
A platéia começa aplaudir e lá vai ele, o homem que ousou colocar uma menina de 16 anos de idade nua num filme e assim criou o mito Nastassja Kinski. O homem que fez um fugitivo judeu tocar piano pra um oficial nazista em troca de pão e um casaco numa das sequências mais lindas e emocionantes da história do cinema em
O Pianista
Ele, super elegante de terno, baixinho, acompanhado por uma intérprete começa os agradecimentos e conta que o filme que vamos assistir foi totamelmente relegado a segundo plano quando de seu lançamento na polonia pós-guerra porque não era um filme “engagé”, mas um filme mais preocupado com a estética, e disse ainda que quando o primeiro ministro , um ano depois do lançamento do filme, o assistiu em sua casa, ficou decepcionado com aquele “desvairio de juventude”, nas palavras do próprio Polanski.
Depois de mais aplausos, lá vai ele embora, prometendo estar de volta ao final da sessão.



As luzes se apagam e se inicia o filme.
Eu já tinha visto o filme, se não me engano, em algum cineclube quando fazia faculdade. Lembro que tinha gostado mas não me lembrava o porquê.
O filme começa muito bem com uma câmera mostrando um carro numa estrada com um casal dentro. Não se ouve o que eles conversam, eles conversam pouco, mas percebe-se uma inquietação, um desconforto.
Desconforto esse que irá perdurar o filme todo.



Num dado momento, eles dão carona a um homem que se joga em frente ao carro na estrada. Quando param o carro ao desviarem, o homem que dirige desce e quase bate no caronista. Mas acaba por levá-lo junto.
Nesse momento vemos o que acontece, em relação a diferença de classe social deles, casal burguês no pós-Guerra com carro bacana, meio que sendo “cobrado” pelo camponês que diz que achava que esses carros eram carros de ministros ou alguém do nível. O casal se explica ao mesmo tempo que não se importa muito com o que está explicando, ao mesmo tempo que começa a sentir um pouco de prazer nessa quase demonstração de poder/superioridade.
Eles chegam a um porto onde descarregam poucas malas e se dirigem a um veleiro, ajudados pelo caronista que olha com interesse para a morena insinuante. Eis que o marido, de propósito ou não necessariamente, o velho sem-querer-querendo convida o intruso para ir com eles no passeio, ao que ele aceita, frisando que não sabia nadar e que nunca havia entrado num barco antes.
E assim se inicia uma tour de force entre a burguesia polonesa querendo se mostrar e se gabar de seu saber, de seu conhecimento e de seu dinheiro/poder, apesar dos tempos bicudos ao proletariado representado pelo camponês ignirante, de hábitos rudes mas de olhar penetrante e com um mistério em seus gestos que apesar de grosseiros vão, ao decorrer do filme, gerando um encantamento na esposa e um ciúme no marido a ponto de disputarem forças e poder durante a viagem de todas as formas possíveis nesse hui-clos que se torna o veleiro, nos momentos mais banais como a hora do almoço quando a mulher prepara alguma comida numa panela grande com um vinho sendo servido em copinhos de prata e o camponês tira de sua sacola um rabanete que oferece ao casal que o come com certo espanto depois de alguém dizer que “não tinha pensado em trazer alguma coisa ssim pra comermos”.
O ponto central do filme, essa disputa entre os dois homens, que termina com a conquista da mulher do primeiro pelo segundo numa cena maravilhosa de sexo enquanto o marido dorme, é elevada ao seu ápice com a faca do título. O camponês tem sempre à mão uma faca, um canivete, usa em alguns momentos importantes do filme inclusive numa cena brincando com a ponta da faca por entre seus dedos com extrema agilidade que, ao ser observado pelo dono do barco é repreendido por estragar a pintura da proa onde brincava, mas que ao mesmo tempo o próprio tenta "brincar" com a faca sem a mesma habilidade.
A tensão é toda criada por causa da disputa dos dois "machos", de um querer mostrar mais poder sobre o outro de uma forma ou de outra: o rico mostrando que comanda o barco, o pobre mostrando seu corpo bem construído pelo trabalho braçal e sua destreza.



O ponto chave é quando, numa quase luta dos dois, a faca cai na água.
O camponês fica desesperado querendo sua faca de volta, diz que não sabe nadar, o rico não fazendo nada a respeito, sua mulher pedindo que ele vá atrás da faca e ele dizendo que não queria saber de nada e o camponês acaba pulando na água e some.
Não se vê o que acontece com ele, se ele se afoga, para onde vai seu corpo até que a mulher desesperada diz um monte de impropérios para o marido, inclusive que havia dormido com o desaparecido e ele se vê na obrigação de sair à sua procura. Daí é o marido que some, sai nadando até sumir da vista da mulher no barco quando o camponês volta, explicando que sim, ele sabia nadar.
Ela, mais calma, sai com o barco em direção ao porto do início e no meio do caminho larga o camponês que segue sua direção. Ela continua com o barco até que encontra o marido esperando que ela chegasse.
O final do filme é um primor de desfecho, pelo fato do diretor brincar com a nossa expectative. Polanski propõe uma reviravolta sutil fazendo com que a mulher, o tempo todo uma talvez personagem passiva da história absolutamente masculine, toma o poder nas mnaos em relação ao seu marido dizendo pra ele que o camponês foi embora, que eles não precisam ir à polícia, mas conta de uma forma não muito convincente, porque seu marido fica reticente até o último fotograma.

Saindo da sala de cinema, depois de uma aula de cinematografia, espero enfim encontrar Roman no saguão e trocar umas palavrinhas com ele.
Total desapontamento: ele saiu pra jantar e não voltou ainda.
Ninguém vai embora, muita gente esperando o famoso polonês vencedor do oscar voltar.
Não sou uma pessoa super paciente e confesso que teria ido embora, não fosse minha querida amiga Lalai que insistiu para ficarmos.
Algum tempo depois, eis que se arma uma confusão na porta do cinema com a chegada do nobre diretor.
Eu me enfio no meio da multidão e tento trocar umas poucas palavras com ele.
Abuso do meu francês e o agradeço pelo “Bebê de Rosemary”.
Ele se espanta, olha pra mim, dá uma risadinha e me pergunta se eu sou francês.
Aproveito a deixa, respondo negativamente e peço pra tirar uma foto ao seu lado, no que sou prontamente atendido pelo simpático mestre.
Minha câmera estava com a bateria bem fraca, teria chance de uma única foto.
Ligo e me posiciono ao seu lado.
Quando peço pra ele olhar pra camera, me preparo e vejo que, ao apertar o botão pra fazer a foto, uma mulher, loira, grande, estranha e bem estúpida, entra na frente da câmera, entre a lente e Roman.
O que sobrou foi uma foto de um braço escondendo um rosto famoso, seus cabelos cacheados e grisalhos saindo pelos lados e a minha cara d absoluto descontentamento e decepção na foto.
Decepção.
Frustração.



Um dia ainda mostro essa foto pra ele.
Be happy:

segunda-feira, abril 12, 2004

Be happy:

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